Subsections


Canais de transmissão

Linhas de transmissão

Talvez o meio mais antigo e também mais utilizado até hoje para transmitir informação tenha sido o cabo bifilar e/ou o cabo bifilar entrelaçado. É no entanto cada vez menos utilizado hoje em dia devido à sua fraca capacidade para suportar grandes quantidades de informação. A sua utilização encontra-se quase praticamente restrita a curtas distâncias e a baixo débito. As razões principais devem-se essencialmente a: grande sensibilidade a interferências electromagnéticas, cross-talk e atenuação elevada em função da distância percorrida pelo sinal. O cross-talk é definido como sendo a interferência gerada num cabo por um outro na sua proximidade devido ao campo electromagnético gerado pela corrente que o atravessa. A atenuação é uma função da resistência própria do condutor e directamente ligado ao material empregue e à sua secção. Outros efeitos como o efeito de bobine e de condensador tornam a atenuação dependente da frequência, o que faz o cabo actuar como um filtro e limitar fortemente a banda de frequências do sinal que o pode atravessar e por isso a quantidade de informação.

O cabo coaxial é utilizado para transmissão de maiores quantidades de informação. A atenuação aumenta aproximadamente com a raíz da frequência do sinal transmitido e por isso requer alguma adaptação para altas frequências a longas distâncias. Uma vantagem típica dos cabos coaxiais é a sua grande imunidade a interferências electromagnéticas. Esta deve-se à construção concêntrica do cabo na qual o condutor exterior se encontra à massa e portanto faz o papel de gaiola de Faraday não deixando sair para o exterior quase nenhuma radiação. Encontram-se cabos coaxiais capazes de suportar uma banda de 60 MHz correspondente a cerca de 140 Mbit/s.

Figura 3.1: linha de transmissão uniforme.
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Devido às elevadas frequências e ao comprimento das linhas de transmissão a sua análise reveste-se da particularidade de a tensão e a corrente serem funções não do tempo mas também do espaço. Assim, e considerando a figura 3.1, podemos dizer que a tensão e a corrente no momento t mathend000# e no ponto x mathend000# do eixo colocado ao longo da linha são

V(x,$\displaystyle \omega$) = V(x)ej$\scriptstyle \omega$t,        I(x,$\displaystyle \omega$) = I(x)ej$\scriptstyle \omega$t (3-1.01)

onde V(x) mathend000# e I(x) mathend000# são dois termos complexos representando a dependência espacial do potencial e corrente eléctrica respectivamente. O potencial e a corrente na linha de transmissão são resultantes da sobreposição de uma onda que se propaga na direcção x > 0 mathend000# e outra na direcção x < 0 mathend000#. Podemos então escrever

V(x) = V+e-$\scriptstyle \gamma$x + V-e$\scriptstyle \gamma$x,        I(x) = $\displaystyle {1\over {Z_0}}$(V+e-$\scriptstyle \gamma$x - V-e$\scriptstyle \gamma$x), (3-1.02)

onde os termos V+ mathend000# e V- mathend000# correspondem às ondas no sentido positivo e negativo respectivamente, $ \gamma$ mathend000# é chamada a constante de propagação, complexa e dada por $ \gamma$ = $ \alpha$ + j$ \beta$ mathend000# - $ \alpha$ mathend000# é a atenuação e $ \beta$ mathend000# é a constante de fase - e finalmente Z0 mathend000# é a impedância característica da linha. Substituindo, por exemplo, a parte positiva de (3-1.2) na expressão da tensão de (3-1.1) obtemos que o atraso de fase de um lado ao outro da linha é $ \phi$ = $ \beta$L/2$ \pi$ mathend000# e portanto o tempo que demora (à frequência $ \omega$ mathend000#) é de

t0 = $\displaystyle {\beta\over \omega}$L    sec (3-1.03)

visto que a distância total é L mathend000# podemos tirar de (3-1.3) que a velocidade de propagação é v = $ \omega$/$ \beta$ mathend000#.

Através das condições de adaptação de impedância podemos dizer que quando uma linha de transmissão se encontra fechada por uma impedância de carga ZL mathend000# igual à impedância característica Z0 mathend000# então a impedância de entrada é igual à impedância característica e existe uma condição de adaptação em potência.

Figura 3.2: modelo paramêtrico de uma secção de linha de transmissão.
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A forma mais usual de análise de linhas consiste em considerar um modelo físico como o representado na figura 3.2. O interesse deste modelo é de permitir calcular directamente os valores característicos da linha a partir de constantes físicas, i.e., para o caso da figura 3.2,

Z0 = $\displaystyle \sqrt{{{{R+j\omega L}\over {G+j\omega C}}}}$,        $\displaystyle \gamma$ = $\displaystyle \sqrt{{(R+j\omega L)(G+j\omega C)}}$. (3-1.04)

No caso de cabos bifilares os paramêtros físicos tomam os seguintes valores típicos:

  • capacidade = 0.0515 $ \mu$ mathend000#F/km, sensivelmente independente da frequência na banda de utilização corrente.
  • conductância é extremamente baixa e desprezável.
  • inductância = 0.62 mH/km a baixa frequência diminuindo até cerca de 70% deste valor com o aumento da frequência.
  • resistência que é aproximadamente proporcional à raíz quadrada da frequência na gama de frequências mais alta, devido ao efeito de pele (tendência para a corrente circular na camada exterior do conductor a alta frequência - skin effect).

Como nota adicional podemos referir que existe hoje em dia uma esperança realística de que a introdução de novos materiais super conductores levem ao fabrico de linhas conductoras praticamente sem perdas. Nesse caso ideal teríamos

Z0 = $\displaystyle \sqrt{{L\over C}}$,        $\displaystyle \gamma$ = j$\displaystyle \omega$$\displaystyle \sqrt{{LC}}$, (3-1.05)

neste caso a impedância característica é puramente resistiva, por isso fácil de adaptar, e visto que a constante de propagação é imaginária pura o termo de atenuação $ \alpha$ = 0 mathend000#, como era de esperar. Não existe atenuação ao longo da linha.

Fibra óptica

A fibra óptica utiliza a luz para transmitir informação. É o meio de transmissão por excelência hoje em dia. O sinal transmitido pode ser do tipo microondas ou no espectro do visível. As frequências são da ordem de, ou superiores a, 1014 mathend000# Hz. Neste caso o canal de transmissão comporta-se como um guia de ondas no qual a construção da fibra é extremamente importante de forma a manter duas camadas (uma interna e outra externa) com índices de refracção diferentes de modo a evitar que a onda saia para fora do guia de ondas. É também importante manter o ângulo de reflexão na interface entre as duas zonas sempre inferior a um valor limite $ \theta_{m}^{}$ mathend000# de modo a que o sinal seja totalmente reflectido e não haja refracção evitando assim a perda de energia. Como ilustração do princípio básico vejamos a figura 3.3 onde temos dois meios de propagação 1 e 2, de índices de refração n1 mathend000# e n2 mathend000# respectivamente.

Figura 3.3: ilustração da lei de Snell: a) ângulo de incidência < mathend000# ao ângulo crítico; b) ângulo de incidência = mathend000# ao ângulo crítico e c) ângulo de incidência > mathend000# ao ângulo crítico.
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A figura 3.3(a) mostra o caso em que o raio incidente no meio 1 segundo um ângulo $ \theta_{1}^{}$ mathend000# é parcialmente transmitido para o meio de 2, segundo um ângulo $ \theta_{2}^{}$ mathend000#, de acordo com a lei de Snell,

$\displaystyle {{\sin \theta_1}\over {\sin \theta_2}}$ = $\displaystyle {{n_2}\over {n_1}}$ < 1. (3-2.01)

Mantendo os mesmos índices de refração mas aumentando o ângulo de incidência chegamos ao valor chamado ângulo de incidência crítico $ \theta_{c}^{}$ mathend000#, para o qual $ \theta_{2}^{}$ = $ \pi$/2 mathend000# (figura 3.3(b)) e então a partir de (3-2.1) temos

sin$\displaystyle \theta_{c}^{}$ = $\displaystyle {{n_2}\over {n_1}}$, (3-2.02)

e a luz é refractada ao longo da interface entre os dois materiais. Aumentando posteriormente o ângulo de incidência temos reflexão interna total na qual o ângulo de incidência e de reflexão são iguais. É este último modo de propagação que é empregue na fibra óptica.

Existem essencialmente três factores mais importantes que limitam a banda, e por isso a capacidade de transmissão da fibra óptica, que são:

  • atenuação do material: através de quatro mecanismos: difusão devido a impurezas, absorpção, perdas nos conectores e perdas introduzidas pela curvatura do cabo.
  • dispersão modal: é devida à diferença de velocidade de propagação dos diferentes modos do guia de ondas. Por outras palavras a energia injectada numa extremidade do guia de ondas não vai chegar à outra extremidade toda ao mesmo tempo. Este facto causa um alargamento dos impulsos transmitidos e por isso uma sobreposição entre símbolos, chamada interferência intersimbólica (ISI - intersymbol interference).
  • dispersão cromática: é causada pelas diferenças de velocidade de propagação a diferentes comprimentos de onda.

Tem sido feitos enormes progressos ultimamente nos dispositivos de geração e de controlo dos raios luminosos para ataque das fibras ópticas. Atingem actualmente taxas de transmissão típicas de 100 a 1000 GB-km/sec. Este é um campo de investigação intensa hoje em dia.

Transmissão rádio

Nestes sistemas o sinal é primeiro aplicado a uma antena antes de atravessar o canal de propagação. Inversamente, no receptor, o sinal é primeiro captado por uma antena antes de ser processado para ser retirada a informação útil. O canal de propagação própriamente dito pode ser mesmo assim de vários tipos: a propagação pode ser em linha de vista através da camada baixa da atmosfera; pode ser reflectida nas camadas de ar superiores da atmosfera (ionosfera) e assim o sinal pode ser recebido em pontos não directamente rádio visíveis entre si; ou ainda pode ser através do espaço sem atmosfera como é o caso das comunicações espaciais ou via satélite. As perdas de transmissão das ondas rádio são proporcionais ao logaritmo da distância entre o emissor e o receptor, o que levaria a considerar que as transmissões a longa distância seriam preferivelmente efectuadas através de ondas rádio. Porém esta lei de atenuação só é praticável para emissores em linha de vista o que limita na prática o seu raio de acção.

Vejamos o efeito dos dois factores mais importantes em transmissão via rádio que são a atenuação e o atraso do sinal. Vamos supor que a atenuação é A mathend000# e a distância é d mathend000# a uma velocidade de propagação c mathend000# provocando um atraso de $ \tau$ = d /c mathend000# segundos. Assim o sinal passabanda recebido escreve-se

s(t) = $\displaystyle \sqrt{{2}}$ARe{u(t - $\displaystyle \tau$)ej$\scriptstyle \omega_{c}$(t-$\scriptstyle \tau$)}, (3-3.01)

onde u(t) mathend000# é o sinal transmitido em banda base. Podemos ainda escrever (3-3.1) fazendo sobressair a constante de propagação $ \kappa$ = $ \omega_{c}^{}$$ \tau$/d mathend000#,

s(t) = $\displaystyle \sqrt{{2}}$Re{Au(t - $\displaystyle \tau$)e-j$\scriptstyle \kappa$dej$\scriptstyle \omega_{c}$t}. (3-3.02)

Podemos então modelar o canal de transmissão como um filtro de resposta impulsiva

h($\displaystyle \omega$) = Ae-j$\scriptstyle \omega$$\scriptstyle \tau$e-j$\scriptstyle \kappa$d, (3-3.03)

mostrando uma dependência da frequência linear devido ao atraso $ \tau$ mathend000#. Receptores móveis são bastante mais sensíveis a pequenas mudanças em d mathend000# - que produzem diferenças de fase - do que a variações no atraso.

Modelos matemáticos de canais de transmissão

De forma a poder estudar e comparar o desempenho de determinados métodos de codificação e modulação, torna-se necessário dispôr de modelos matemáticos representativos dos vários canais de transmissão, que podem ir do caso mais simples do ruído aditivo até ao mais complexo do filtro linear variante no tempo.


Canal de ruído aditivo

Á parte o caso em que o canal não introduz nenhuma alteração no sinal, este é sem dúvida o caso mais simples de um canal realístico no qual o sinal emitido s(t) mathend000#, chega ao receptor simplesmente adicionado com um termo de ruído w(t) mathend000#, tal que o sinal recebido r(t) mathend000#, se pode escrever

r(t) = s(t) + w(t), (3-4.01)

onde o termo de ruído é uma realização de um processo estocástico devido a ruído de origem electrónica no sistema de emissão/recepção ou devido a interferências no meio físico de propagação do sinal. É frequente, e não desprovido de sentido prático, considerar que a sequência w(t) mathend000# é branca, que segue uma lei conjuntamente Gaussiana e é independente do sinal emitido s(t) mathend000#. Uma atenuação e um atraso de propagação podem ser facilmente considerados, sem que seja introduzida distorção, através de

r(t) = $\displaystyle \alpha$s(t - t0) + w(t), (3-4.02)

onde $ \alpha$ mathend000# e t0 mathend000# são constantes.


Canal de filtro linear invariante

Este caso é ligeiramente mais complexo do que o precedente, englobando-o. Aqui o sinal recebido é suposto ser a soma de um termo de ruído aditivo (como no caso anterior) e um termo sem ruído igual á resposta de um filtro linear invariante ao sinal emitido s(t) mathend000#. Assim, temos que o sinal recebido r(t) mathend000#, se escreve

r(t) = g(t) * s(t) + w(t),  
  = x(t) + w(t), (3-4.03)

onde g(t) mathend000# é a resposta impulsiva do canal considerado. Podemos então escrever

x(t) = $\displaystyle \int$g($\displaystyle \tau$)s(t - $\displaystyle \tau$)d$\displaystyle \tau$. (3-4.04)

Canal de filtro linear variante no tempo

A representação do canal de transmissão através de um filtro linear variante no tempo, representa um grau de complexidade acrescida em relação ao caso anterior, mas que é muitas vezes justificado na prática. A única diferença é que a componente sem ruído do sinal recebido se escreve

x(t) = $\displaystyle \int$g($\displaystyle \tau$;t)s(t - $\displaystyle \tau$)d$\displaystyle \tau$, (3-4.05)

onde neste caso a resposta impulsiva do canal g(t) mathend000# é variante no tempo. O exemplo mais conhecido para um canal linear variante no tempo é o dos telefones celulares e da propagação do sinal acústico submarino em águas pouco profundas. Nestes casos o sinal chega ao receptor móvel através de um número elevado de canais de propagação (propagação multicanal) cada um com um atraso e uma atenuação específicos. Normalmente a atenuação de cada canal é também variante no tempo.

Resumo do capítulo 3:

  • neste capítulo faz-se uma revisão geral dos vários tipo de canais de transmissão do cabo bifiliar à fibra óptica, traçando para cada um deles algumas propriedades mais importantes;
  • na última secção descrevem-se de forma sucinta três modelos de canais de comunicação que são normalmente usados em sistemas de simulação e de estudo de modulações, codificação, etc. Estes modelos vão desde o modelo mais simplista no qual o sinal recebido é igual ao sinal emitido mais ruído, até ao mais sofisticado no qual o sinal recebido é o sinal emitido filtrado por um sistema cuja resposta impulsiva é variante no tempo mais ruído.


Sergio Jesus 2008-12-30