Introdução

Sistemas de comunicação são todos os instrumentos que permitem transmitir informação entre dois pontos distantes. Geralmente o ponto de partida da informação é chamado emissor, enquanto o ponto de chegada é chamado receptor. Entre o emissor e o receptor encontra-se o meio de transmissão ou simplesmente canal de transmissão. Frequentemente pretende-se que a transmissão da informação seja efectuada nos dois sentidos, através do mesmo canal de transmissão, e então o emissor é também receptor e vice-versa. O esquema de blocos da figura 1.1 representa um sistema de comunicações onde se podem ver os seus três componentes principais, emissor, canal e receptor, mas também os principais sub-blocos constituentes de cada um destes.

Figura 1.1: esquema de blocos tipo para um sistema de comunicações.
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Encontramos sistemas de comunicação seja no emissor, seja no receptor. Geralmente o papel do sistema de comunicação no emissor é o de adaptar o sinal a transmitir ao canal de transmissão. No receptor trata-se de tanto quanto possível recolocar o sinal recebido sob a forma original enviada pelo emissor. Tendo em conta que o sinal foi transformado no emissor e sofreu alterações durante a sua passagem pelo canal de transmissão - nomeadamente a influência de ruído e outras distorções - o papel do sistema de recepção será de colocar o sinal recebido numa forma o mais fiel quanto possível em relação ao sinal emitido.

Assim, ao nível do emissor temos pelo menos dois blocos que são o codificador e o modulador. O codificador permite transformar o sinal a transmitir, fornecido pela fonte, de forma a reduzir tanto quanto possível a quantidade de informação necessária e suficiente para permitir a sua recuperação, com uma taxa de erro aceitável, no receptor. Na prática trata-se frequentemente de uma amostragem de sinal analógico em discreto, numa quantificação de amplitude, numa codificação e finalmente numa compressão da informação. Todas estas etapas, algumas das quais são opcionais, dependem por um lado do tipo de sinal que se apresenta à entrada, do sinal que deve entrar no modulador e também do canal de transmissão considerado. O modulador pode ser de muitos tipos e depende essencialmente do canal de transmissão considerado. Em geral podemos classificar o modulador como podendo ser analógico ou digital, consoante o sinal que se apresenta à sua entrada, sendo que o sinal de saída a emitir para o meio físico de transmissão é quase sempre analógico.

O canal de transmissão representa o meio físico onde o sinal é enviado entre o emissor e o receptor. Como exemplos de canais de transmissão podemos citar: a atmosfera, através da qual podemos enviar ondas electromagnéticas (p. ex. rádio, televisão, telemóvel, etc...), o cabo eléctrico bifilar (telefone, computador a baixo débito), o cabo coaxial (computador, TV por cabo,...) e a fibra óptica, a água (sonar, telefone submarino, etc...) e o vácuo (satélite, naves espaciais, etc..). Cada um destes exemplos de canais de transmissão tem características próprias que necessitam sistemas de comunicação expressamente dedicados. Existe hoje em dia uma grande variedade de sistemas de comunicação, cada um mais sofisticado que o outro. Uma comunicação por telefone pode, por exemplo, utilizar vários canais de transmissão, passando de cabo bifilar para linha digital, depois fibra óptica em seguida via rádio para um satélite, etc... No entanto uma das características essenciais de cada canal de transmissão é a a sua capacidade, i.e., em termos simples, a quantidade máxima de informação que podemos transmitir através dele sem distorção apreciável. As noções de quantidade de informação e de distorção serão introduzidas de forma precisa mais adiante.

No receptor efectuam-se as operações inversas daquelas efectuadas no emissor: desmodulação e descodificação. Estas operações dependem fortemente do que foi feito no emissor, considerando no entanto que o sinal de entrada no receptor se encontra transformado pelo canal e, em particular, corrompido com ruído. O sinal recebido tem portanto uma componente aleatória mais ou menos importante dependendo da natureza e nível de ruído do canal. O receptor é normalmente visto como um detector, cuja característica mais importante é a probabilidade de deteção para uma determinada taxa de erro admissível (receiver operating characteristics - ROC). Segundo os casos, o desmodulador pode por sua vez ser separado em vários sub-blocos como por exemplo, o filtro de recepção, destinado a compensar a distorção introduzida pelo meio físico de transmissão, o amostrador e o decisor. À saída do receptor dever-se-à obter um sinal $ \hat{s}$(t) mathend000#, tanto quanto possível, idêntico ao sinal emitido.

Exemplo: o eco

A título de exemplo das dificuldades que podem ser encontradas na transmissão de informação entre dois pontos escolhemos o caso da voz num local com eco. Vamos supôr que um explorador tenta comunicar com um companheiro utilizando a voz e que ambos se encontram na escalada de uma ravina rochosa num vale estreito. Sabemos que nesta situação o sinal acústico emitido tem tendência a chegar ao receptor através de mais do que um caminho, i.e., para além do som ouvido em linha recta ouvem-se também repetições desse mesmo som resultado da reflexão nas paredes rochosas. Para simplificar vamos supor que o a um som emitido pelo explorador, o seu companheiro recebe dois: um em linha recta atenuado de uma factor $ \alpha_{0}^{}$ mathend000# e atrasado de $ \tau_{0}^{}$ mathend000# segundos e um outro atenuado de $ \alpha_{1}^{}$ mathend000# e atrasado de $ \tau_{1}^{}$ mathend000# segundos. Assim podemos escrever que para o sinal emitido s(t) mathend000# obtemos o sinal recebido r(t) mathend000# tal que

r(t) = $\displaystyle \alpha_{0}^{}$s(t - $\displaystyle \tau_{0}^{}$) + $\displaystyle \alpha_{1}^{}$s(t - $\displaystyle \tau_{1}^{}$) (1-0.1)

onde obviamente $ \alpha_{0}^{}$ mathend000# e $ \alpha_{1}^{}$ mathend000# são < 1 mathend000# e $ \tau_{0}^{}$ = d /c mathend000# onde d mathend000# é a distância em metros entre os dois exploradores e c mathend000# é a velocidade de propagação do som no ar. Claro que os coeficientes $ \alpha_{i}^{}$ mathend000# dependem das distâncias percorridas, mas geralmente, dado que a distância percorrida pelo eco é maior do que a distância percorrida pelo sinal em linha recta temos que $ \alpha_{1}^{}$ < $ \alpha_{0}^{}$ mathend000# e que $ \tau_{1}^{}$ > $ \tau_{0}^{}$ mathend000#. Não sabendo onde é que o som se vai reflectir, torna-se impossível determinar seja $ \alpha_{1}^{}$ mathend000#, seja $ \tau_{1}^{}$ mathend000#. Em particular, se a reflexão se der numa parede próxima da linha de propagação do som em linha recta, pode acontecer que $ \Delta$$ \tau$ = $ \tau_{1}^{}$ - $ \tau_{0}^{}$ mathend000# seja inferior à duração do sinal s(t) mathend000#. Nessas condições o eco sobrepõe-se ao sinal em linha recta e torna-se difícil, e por vezes impossível, compreender a mensagem enviada. Dizemos neste caso que temos distorção devida a múltiplos caminhos entre o emissor e o receptor. O problema que se coloca no receptor é o de tentar compreender a mensagem. Existem várias formas de resolver o problema. A primeira constatação que se pode fazer é de que se os atrasos $ \tau_{0}^{}$ mathend000# e $ \tau_{1}^{}$ mathend000#, ou mesmo apenas a sua diferença $ \Delta$$ \tau$ = $ \tau_{0}^{}$ - $ \tau_{1}^{}$ mathend000#, fosse conhecidos, então poderíamos compensá-los no sinal recebido através de um filtro. Pode-se determinar a função de transferência desse filtro através da TF de (1-0.1)
R($\displaystyle \omega$) = TF[r(t)]  
  = $\displaystyle \alpha_{0}^{}$S($\displaystyle \omega$)e-j$\scriptstyle \omega$$\scriptstyle \tau_{0}$ + $\displaystyle \alpha_{1}^{}$S($\displaystyle \omega$)e-j$\scriptstyle \omega$$\scriptstyle \tau_{1}$ (1-0.2)
  = H($\displaystyle \omega$)S($\displaystyle \omega$) (1-0.3)

onde, para se obter S($ \omega$) mathend000# a partir de R($ \omega$) mathend000# é necessário
S($\displaystyle \omega$) = $\displaystyle {1\over {H(\omega)}}$R($\displaystyle \omega$)  
  = G($\displaystyle \omega$)R($\displaystyle \omega$), (1-0.4)

com o filtro inverso G($ \omega$) mathend000# dado por

G($\displaystyle \omega$) = H-1($\displaystyle \omega$) = [$\displaystyle \alpha_{0}^{}$e-j$\scriptstyle \omega$$\scriptstyle \tau_{0}$ + $\displaystyle \alpha_{1}^{}$e-j$\scriptstyle \omega$$\scriptstyle \tau_{1}$]-1. (1-0.5)

No entanto, na prática, os atrasos temporais do eco não são conhecidos e G($ \omega$) mathend000# não pode ser facilmente calculado através de (1-0.5). Uma das estratégias para estimar os atrasos consiste em emitir um sinal conhecido do receptor, naquilo que é normalmente chamado como um sequência de treino. Pode-se então correlacionar o sinal recebido com o sinal emitido obtendo-se

y($\displaystyle \tau$) = $\displaystyle \int$r(t)s(t - $\displaystyle \tau$)d$\displaystyle \tau$  
  = $\displaystyle \int$[$\displaystyle \alpha_{0}^{}$s(t - $\displaystyle \tau_{0}^{}$) + $\displaystyle \alpha_{1}^{}$s(t - $\displaystyle \tau_{1}^{}$)]s(t - $\displaystyle \tau$)d$\displaystyle \tau$  
  = $\displaystyle \alpha_{0}^{}$$\displaystyle \int$s(t - $\displaystyle \tau_{0}^{}$)s(t - $\displaystyle \tau$)d$\displaystyle \tau$ + $\displaystyle \alpha_{1}^{}$$\displaystyle \int$s(t - $\displaystyle \tau_{1}^{}$)s(t - $\displaystyle \tau$)d$\displaystyle \tau$  
  = $\displaystyle \alpha_{0}^{}$ys($\displaystyle \tau$ - $\displaystyle \tau_{0}^{}$) + $\displaystyle \alpha_{1}^{}$ys($\displaystyle \tau$ - $\displaystyle \tau_{1}^{}$) (1-0.6)

onde ys($ \tau$) mathend000# é a função de autocorrelação do sinal emitido s(t) mathend000#. Tendo em conta que a função de autocorrelação é uma função monótona pode-se deduzir que os dois picos de y($ \tau$) mathend000# terão lugar para $ \tau$ = $ \tau_{0}^{}$ mathend000# e $ \tau$ = $ \tau_{1}^{}$ mathend000#, de onde estes dois valores podem ser directamente estimados. Este processo de emissão de sequências de treino, conhecidas do emissor e do receptor, antes da mensagem propriamente dita é corrente em quase todos os sistemas submetidos a fenómenos multicaminhos, como é por exemplo o caso do actual sistema GSM de telefonia móvel. O problema deste sistema é que por vezes os pontos de reflexão são eles mesmo móveis ou o receptor ou emissor também se movem. Quando a geometria do problema muda ao longo do tempo, os atrasos também se alteram e o filtro estimado a um dado instante já não é válido noutro instante. Dizemos nesse caso que temos um canal de transmissão de estrutura variante no tempo. É claro que nesse caso se pode refazer um novo treino, voltando a construir um filtro correcto. Obviamente que este procedimento não pode vir a ser repetido constantemente pois enquanto o sistema efectua o treino não envia mensagens e a taxa de transmisão do sistema diminui. Existem outras técnicas de extração do sinal útil sem fazer apelo a sequências de treino que utilizam propriedades estatísticas do sinal emitido, para estimar constantemente a estrutura do canal de transmissão. Estas são ditas as técnicas "cegas".

Resumo do capítulo 1:

  • noções gerais sobre os subsistemas que compoem um sistema de comunicações;
  • descrição genérica das dificuldades enfrentadas num sistema de comunicações tais como o ruído e a função do canal de transmissão;
  • um exemplo simples do dia a dia que retrata o problema da interferência intersimbólica encontrado em canais de transmissão com fading. O exemplo também introduz a noção de receptor - correlacionador como detector dos parâmetros característicos do canal, mesmo que sob uma forma simplificada.


Sergio Jesus 2008-12-30