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Componentes Lineares e Não-Lineares

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AjudaCapítulo 3Capítulo 1Secção 2.1Sumário

2.2.1 Linearidade

Os métodos de análise apresentados ao longo deste livro aplicam-se exclusivamente a circuitos lineares ou linearizáveis por troços. Um circuito é linear quando todos os elementos utilizados satisfazem simultaneamente as propriedades da sobreposição e da homogeneidade. Quando a linearidade não é verificada, pelo menos para determinada gama de valores da tensão e da corrente, procede-se à linearização dos elementos, ou seja, procede-se à consideração de intervalos de valores dentro dos quais a característica tensão-corrente de cada um dos elementos pode, sem grande erro, ser aproximada por uma recta com declive dado pela derivada no ponto central do intervalo. Diz-se então que a característica tensão-corrente do elemento foi linearizada em torno do ponto considerado. Por exemplo, na análise de circuitos com transístores, os quais, como se verá, são dispositivos fortemente não-lineares, o ponto intermédio do intervalo é designado por ponto de funcionamento em repouso, sendo o modelo de cada dispositivo e a análise do circuito correspondente designadas, respectivamente, por modelo e análise de sinais fracos.

Um elemento goza da propriedade da sobreposição quando a característica tensão-corrente satisfaz, para todo e qualquer par de valores(i,v), as relações:

se

i1 = g(v1) (2.3)

e

i2 = g(v2) (2.4)

então

g(v1+ v2) = i1+ i2 (2.5)

Por outro lado, um elemento goza da propriedade da homogeneidade quando, para o mesmo conjunto de pontos (i,v), satisfaz as seguintes relações:

se

i1 = g(v1) (2.6)

então

g(kv1) = ki1 (2.7)

para todo e qualquer k real. As relações (2.3) a (2.5) indicam que é linear todo e qualquer elemento cuja característica tensão-corrente apresente a forma da equação de uma recta, isto é, i=gv+cte ou, em alternativa, v=ri+cte.

Na Figura 2.5 representam-se as características tensão-corrente da resistência e do transístor de efeito de campo, respectivamente. A inspecção das características indica que a resistência é um componente linear, e que o transístor constitui um dispositivo não-linear. Com efeito, aplicando a definição de linearidade à resistência verifica-se que v1=Ri1, v2=Ri2 e que (v1+ v2)=(Ri1+ Ri2)=R(i1+ i2), o que demonstra a propriedade da sobreposição, e ainda que se v1=Ri1 então v2=R(ki1)=kRi1=kv1, igualdade que demonstra a propriedade da homogeneidade. Pode facilmente demonstrar-se que a característica do transístor

(2.8)

não verifica nem a propriedade da sobreposição, nem a da homogeneidade.

Figura 2.5 Característica tensão-corrente de uma resistência (a) e de um transístor de efeito de campo na zona de saturação (b)

2.2.2 Distorção Harmónica

O principal efeito causado pela não-linearidade de um componente é a distorção harmónica. Esta encontra-se presente, por exemplo, quando o volume de som de um amplificador audio é colocado no máximo da sua escala, fazendo-se sentir, designadamente, através da geração de sinais agudos cuja frequência se encontra no limite da escala audível. É vulgar a distorção harmónica constituir um dos parâmetros determinantes do desempenho de um determinado circuito ou sistema electrónico.

Considere-se então a característica tensão-corrente

i = A(v - B)2 (2.9)

em que A e B são duas constantes. Admita-se ainda que a relação (2.9) é válida para valores positivos e negativos da tensão aplicada, v, e que esta toma a forma sinusoidal

v = Vmcos(2pft) (2.10)

Nestas condições, a corrente no componente é dada por

i = A(Vmcos(2pft) - B)2 (2.11)

que, por aplicação da relação cos2(f)=(0.5)[1+cos(2f)], permite efectuar a expansão

i = A(0.5V2m+ B)2 - 2ABVmcos(2pft) + 0.5AVmcos(4pft) (2.12)

Como se pode verificar em (2.12), a corrente no circuito é constituída por um termo constante, o primeiro, por um termo à frequência do sinal, o segundo, e por um termo à frequência dupla, o terceiro, designado por segunda harmónica. A distorção harmónica consiste na relação entre as amplitudes das sinusóides às frequências 2f e f. A deterioração da qualidade do som na saída do amplificador encontra-se, portanto, associada à geração de tons espúrios às frequências múltiplas daquela aplicada na entrada. Em geral, os elementos não-lineares são modelados por polinómios de ordem superior àquela considerada na relação (2.9), conduzindo assim à geração de harmónicas superiores à segunda, designadamente terceira, quarta, etc.

2.2.3 Ponto de Funcionamento em Repouso

O ponto de funcionamento em repouso (PFR) e a aproximação de sinais fracos constituem os dois passos principais da análise de um circuito com componentes não-lineares.

Considere-se o elemento não-linear representado na Figura 2.6, e admita-se que aos terminais do mesmo se aplica uma tensão

v = V + vsf (2.13)

em que V define uma tensão constante de amplitude razoavelmente elevada, designada por tensão de polarização, e vsf um sinal de amplitude relativamente pequena comparada com V, designado por sinal fraco. Como se indica na própria figura, à excursão fraca vsf corresponde uma variação isf na corrente no componente. Assim,

i = I + isf (2.14)

sendo o ponto (V,I) designado por ponto de funcionamento em repouso do circuito. A constatação de que o sinal vsf constitui uma pequena variação em torno de uma determinada tensão de polarização, V, permite aproximar a característica i=g(v) pela sua derivada e escrever

isf = gvsf (2.15)

em que g define o declive da característica no PFR considerado. Neste caso, e admitindo sempre que as variações em torno do PFR são suficientemente fracas, a relação entre isf e vsf é de tipo linear, podendo o respectivo elemento ser substituído por um dos elementos lineares definidos anteriormente. A aproximação efectuada é designada por aproximação de sinais fracos, sendo o modelo linear resultante designado por modelo de sinais fracos do dispositivo. Naturalmente que o coeficiente g definido em (2.15) é uma função do ponto de funcionamento em repouso estabelecido para o elemento.

Figura 2.6 Ponto de funcionamento em repouso e regime de sinais fracos