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Receptores analógicos

Os métodos de modulação estudados no capítulo anterior distinguem-se através do tipo de modulação, frequência da portadora, meio de transmissão, potência utilizada, etc, mas tem em comum o facto de que em todos eles a amplitude ou a fase de uma onda sinusoidal varia com o tempo de modo a transmitir a mensagem útil.

Neste capítulo vamos abordar os circuitos de recepção que em grande medida são comuns aos vários métodos de modulação descritos anteriormente pois, em todos eles, de uma forma ou de outra vai ser necessária uma translação em frequência (agora no sentido contrário) e portanto vão ser utilizados também osciladores, misturadores e fitros passa-banda.

Desmodulação

A desmodulação de sinais modulados em AM faz-se através da extração do envelope do sinal passabanda, podendo ser efectuada de forma não coerente, i.e., sem conhecer de forma exacta a frequência do sinal modulador. Já o mesmo não acontece para a desmodulação de fase que necessita ser feita em modo coerente com o emissor, já que a informação é transmitida exactamente na fase do sinal recebido. Existe um grande número de técnicas para efectuar a desmodulação seja de amplitude seja da fase. Na prática esta tarefa encontra-se grandemente simplificada se as componentes em fase e quadratura forem previamente extraídas utilizando o envelope complexo.


Extracção do envelope complexo

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Figura 6.1: extração das componentes em fase e quadratura de um sinal passa-banda.
\includegraphics[height=60mm,width=90mm]{figs/heterodyne1.eps}
A importância do envelope complexo é que a partir dele podem ser obtidas todas as características do sinal passa-banda ou dos seus equivalentes passa-baixo. A extração do envelope complexo passa pelo cálculo das componentes em fase e em quadratura. A figura 6.1 ilustra esta operação. O sinal passa-banda x(t) mathend000# é simultaneamente multiplicado por 2 cos$ \omega_{c}^{}$t mathend000# e por -2 sin$ \omega_{c}^{}$t mathend000#. O resultado é uma frequência de batimento duas vezes a portadora $ \omega_{c}^{}$ mathend000# que pode ser filtrada por um filtro passa-baixo. Com efeito o resultado do produto, por exemplo, para o cos$ \omega_{c}^{}$t mathend000#, é
2x(t)cos$\displaystyle \omega_{c}^{}$t = 2 cos$\displaystyle \omega_{c}^{}$t[xc(t)cos$\displaystyle \omega_{c}^{}$t - xs(t)sin$\displaystyle \omega_{c}^{}$t]  
  = 2[xc(t)cos2$\displaystyle \omega_{c}^{}$t - xs(t)sin$\displaystyle \omega_{c}^{}$t cos$\displaystyle \omega_{c}^{}$t]  
  = xc(t) + xc(t)cos 2$\displaystyle \omega_{c}^{}$t - xs(t)sin 2$\displaystyle \omega_{c}^{}$t, (6-1.01)

que é filtrado no banda útil de x(t). Por exemplo se a banda de x(t) em torno a fc mathend000# for [fc - W/2, fc + W/2] mathend000# então o filtro passa-baixo deverá, para retirar correctamente a componente em fase xc(t) mathend000#, ter uma frequência de corte fa mathend000# tal que W/2 < fa < 2fc - W/2 mathend000#. O mesmo raciocínio será aplicado para a componente em quadratura xs(t) mathend000#. O posicionamento das componentes espectrais do sinal e do batimento composto encontram-se exemplificadas na figura 6.2. truemm
Figura 6.2: Espectros dos sinais durante a extração das componentes em fase e quadratura de um sinal passa-banda: sinal original e batimento.
\includegraphics[height=60mm,width=90mm]{figs/heterodyne2.eps}
A partir das duas componentes em fase e quadratura podemos calcular o envelope complexo

$\displaystyle \tilde{x}$(t) = xc(t) + jxs(t). (6-1.02)

Extracção do envelope e da fase

Um detector de envelope tem a vantagem prática de não necessitar o conhecimento da fase da portadora o que simplifica enormemente o circuito necessário, que pode simplesmente ser constituido por um diodo em série com uma resistência em paralelo com um condensador. O envelope da portadora não é mais do que a amplitude da componente passa-baixo do sinal modulado, i.e., a amplitude do sinal modulador.

Qualquer sinal passa-banda se pode escrever a partir de xc(t) mathend000# e xs(t) mathend000#, e calcular

a(t) = [xc2(t) + xs2(t)]1/2,  
$\displaystyle \phi$(t) = tan-1$\displaystyle {{x_s(t)}\over {x_c(t)}}$,  

onde $ \phi$(t) mathend000# é a modulação de fase e a sua derivada

fi(t) = $\displaystyle {1\over {2\pi}}$$\displaystyle {{d\phi(t)}\over {dt}}$, (6-1.03)

é a modulação em frequência.

Um desmodulador FM pode ser simplesmente um dispositivo que traduz a variação de frequência em variação de amplitude seguido de um detector de envelope, como explicado acima.

Receptores de onda sinusoidal

Os blocos típicos num receptor analógico são: o amplificador, o sintonizador e o desmodulador. O esquema de um receptor analógico encontra-se representado na figura 6.3.

Figura 6.3: esquema de blocos do sistema receptor analógico típico.
\includegraphics[width=12cm]{figs/super_het.eps}
O sinal modulado s(t) mathend000# captado na antena é primeiramente amplificado graças a um amplificador RF sintonizado na frequência da portadora fc mathend000#. Este amplificador passa não só a portadora mas também uma determinada banda em torno a esta. No misturador MX o sinal RF amplificado é misturado com uma frequência intermédia fIF < fc mathend000# e em seguida todas as outras componentes são filtradas através do filtro e amplificador IF centrado em fIF mathend000# e com uma banda BIF mathend000#. Os últimos dois andares são o desmodulador que retira a mensagem útil e o amplificador em banda de base que permite obter o sinal mensagem final m(t) mathend000#. Um dos blocos essenciais no sistema receptor é o oscilador local à frequência fc$ \pm$fIF mathend000# que permite passar da frequência da portadora para a frequência intermédia fIF mathend000#. A título de exemplo, para AM, a portadora encontra-se entre 540 e 1600 kHz, enquanto a frequência intermédia é de 455 kHz. O espaçamento entre portadoras é normalmente de 10 kHz e a banda intermédia é assim compreendida entre 6 e 10 kHz. Finalmente a banda audio útil é inferior a esta banda intermédia mínima, na ordem dos 5 kHz, máximo.

Um dos problemas principais é o de dispôr de um oscilador local suficientemente estável para permitir a mistura e a passagem para a frequência intermédia. A frequência deste oscilador local é normalmente variável para permitir a sintonização das várias estações de emissão. Existem várias variantes do sistema de recepção proposto na figura 6.3, nomeadamente sistemas com duas frequências intermédias, cujo objectivo é de obter uma maior rejeição das outras bandas de frequências assim como sistemas de recepção para esquemas de modulação em banda lateral única com separação das componentes em fase e em quadratura semelhantes ao representado na figura 6.1. Outros sistemas mais complexos permitem a extração de portadoras em quadratura do tipo QAM.

Algumas das características mais importantes dos receptores são a sensibilidade, a dinâmica e a selectividade. A sensibilidade representa o valor de tensão mínima que colocada à entrada resulta num sinal à saída. Um valor típico será 1 $ \mu$ mathend000#V. A dinâmica não é mais do que a gama de variação possível à entrada que permite obter um sinal não distorcido à saída. Uma dinâmica de 100 dB é um valor normal, para um sistema de gama média. A selectividade por sua vez é a capacidade de separar duas frequências próximas com um grau de rejeição aceitável de, digamos, 50 dB.


Sincronização

Como já foi referido acima, um dos problemas frequentemente encontrados na prática traduz-se pela impossibilidade de obter um oscilador suficientemente estável à frequência da portadora ou uma frequência intermédia ligada a essa. O problema é na realidade mais complexo porque não só a frequência do oscilador local deve acompanhar a da portadora mas também a fase deve ser mesma. Ou seja, trata-se de ter um oscilador que acompanhe exactamente a portadora do sinal gerada no emissor, por vezes, a muitos kilometros de distância. Este é um problema prático que, durante muitos anos, foi resolvido graças aos sistemas de modulação com portadora que, como já tivemos oportunidade de dizer, é pouco eficiente em termos energéticos.

A solução passa por um sistema de sequimento de fase muito engenhoso que se chama ``Phase-Lock Loop'', ou PLL. O princípio de funcionamento do PLL pode ser explicado tendo como base a figura 6.4. Nesta figura o sinal de entrada é multiplicado com o da saída do oscilador controlado por tensão (Voltage Controlled Oscillator - VCO). Este dispositivo gera uma onda sinusoidal à sua saída cuja frequência é proporcional à amplitude do sinal de entrada. Esse sinal de entrada é por sua vez o sinal de saída do filtro passa baixo do sinal resultante do ``batimento'' entre o sinal de entrada e a saída do VCO, fechando assim a malha. O objectivo é que o sinal de saída do VCO deverá seguir de forma exacta a fase do sinal de entrada.

Figura 6.4: esquema de blocos do Phase-lock loop (PLL).
\includegraphics[width=12cm]{figs/pll.eps}
Na prática o sinal y(t) mathend000# escreve-se

y(t) = Kasin$\displaystyle \epsilon$(t), (6-3.01)

onde $ \epsilon$(t) mathend000# é o termo de diferença de frequência resultante da filtragem passa-baixo do produto entre o sinal de entrada x(t) mathend000# e o sinal de comparação v(t) mathend000#. O sinal á entrada do filtro passa-baixo escreve-se
s(t)v(t) = 2 cos$\displaystyle \theta_{c}^{}$(t)cos$\displaystyle \theta_{v}^{}$(t)  
  = cos[$\displaystyle \theta_{c}^{}$(t) + $\displaystyle \theta_{v}^{}$(t)] + cos[$\displaystyle \theta_{c}^{}$(t) - $\displaystyle \theta_{v}^{}$(t)], (6-3.02)

e portanto temos que $ \epsilon$(t) = $ \theta_{c}^{}$(t) - $ \theta_{v}^{}$(t) + 90o mathend000#, onde o atraso de 90 graus serve para assegurar que y(t) mathend000# venha a ser igual ao sin mathend000# e não o cos mathend000# de $ \epsilon$(t) mathend000# de forma a que $ \epsilon$(t) = 0$ \to$y(t) = 0 mathend000#. O sinal y(t) mathend000# serve então como entrada do oscilador controlado por tensão (VCO) de tal forma que a sua frequência (ou fase) $ \theta_{v}^{}$(t) mathend000# seja o mais próxima possível daquela do sinal de entrada $ \theta_{c}^{}$(t) mathend000#. Quando o PLL se encontra em posição de convergência (locked) a fase do oscilador segue de forma exacta a fase do sinal de entrada, o que nos permite dispôr localmente de um sinal perfeitamente síncrono com a portadora do sinal RF recebido e poder assim efectuar uma extração perfeita e coerente do sinal útil por desmodulação e filtragem. O PLL é regido através de uma equação diferencial na fase do sinal e cuja solução e correcta inicialização garantem a convergência do sistema. As equações de funcionamento encontram-se em [11] e deverão ser abordadas nas disciplinas de Electrónica.

Na prática o PLL é a pedra de base para várias aplicações como sejam os sintetisadores de frequência, os detectores síncronos e os receptores FM (ver páginas 281 a 284 de [11]).


Detecção FM com PLL

Tornou-se óbvio a partir da leitura dos sub-capítulos anteriores que o PLL é a pedra de toque na sincronização de osciladores locais para qualquer receptor de onda sinusoidal, quer ele seja AM ou PM. Para além disso, e dado que o PLL tem como função essencial a de seguir a fase do sinal de entrada, ele pode, por si só, consitituir um desmodulador de fase (ou de frequência). Considerando de novo a figura 6.4 e assumindo que o PLL se encontra em posição de seguimento linear com fv = fc mathend000#, i.e., com $ \Delta$f = 0 mathend000# e com um erro de fase $ \epsilon$(t) mathend000# pequeno, tal que, $ \theta_{c}^{}$(t) $ \approx$ $ \theta_{v}^{}$(t) mathend000#. Nesse caso podemos agora considerar não as variações dos sinais ao longo do tempo mas sim das respectivas fases e escrever que a fase à saída do VCO se escreve

$\displaystyle \phi_{v}^{}$(t) = 2$\displaystyle \pi$Kv$\displaystyle \int_{{-\infty}}^{t}$y($\displaystyle \tau$)d$\displaystyle \tau$, (6-4.03)

que pode ser comparada com a fase do sinal de entrada $ \phi_{c}^{}$(t) mathend000#. O circuito de blocos encontra-se representado na figura 6.5 onde o filtro passa-baixo se encontra representado pela sua resposta impulsiva h(t) mathend000#.
Figura 6.5: esquema de blocos do Phase-lock loop (PLL) utilizado como detector FM no tempo (a) e na frequência (b).
\includegraphics[width=12cm]{figs/pll_fm.eps}
As equações do sistema são,
y(t) = Kah(t) * [$\displaystyle \phi_{c}^{}$(t) - $\displaystyle \phi_{v}^{}$(t)] (6-4.04)
$\displaystyle \phi_{v}^{}$(t) = 2$\displaystyle \pi$Kv$\displaystyle \int_{{-\infty}}^{t}$y($\displaystyle \tau$)d$\displaystyle \tau$, (6-4.05)

de onde passando para o domínio da frequência de forma a reduzir o integral a uma simples divisão por jf mathend000# e o produto de convolução a um produto simples,
Y(f ) = KaH(f )[$\displaystyle \Phi_{c}^{}$(f )- $\displaystyle \Phi_{v}^{}$(f )] (6-4.06)
$\displaystyle \Phi_{v}^{}$(f ) = $\displaystyle {K_v\over {jf}}$Y(f ), (6-4.07)

e substituindo (6-4.7) em (6-4.6),
Y(f ) = KaH(f )[$\displaystyle \Phi_{c}^{}$(f )- $\displaystyle {K_v\over {jf}}$Y(f )]  
  = $\displaystyle {{K_a H(f)}\over {1 + K_v K_a H(f)/jf}}$$\displaystyle \Phi_{c}^{}$(f )  
  = $\displaystyle {{jfK_a H(f)}\over {jf + K_v K_a H(f)}}$$\displaystyle \Phi_{c}^{}$(f ). (6-4.08)

Se o sinal de entrada s(t) mathend000# for um sinal modulado em frequência tal que

$\displaystyle {{d\phi_c(t)}\over dt}$ = 2$\displaystyle \pi$$\displaystyle \beta_{f}^{}$m(t), (6-4.09)

temos que a sua fase no domínio da frequência se escreve
$\displaystyle \Phi_{c}^{}$(f ) = $\displaystyle {{2\pi \beta_f M(f)}\over {j2\pi f}}$  
  = $\displaystyle {{\beta_f}\over {jf}}$M(f ), (6-4.10)

de onde a substituição de (6-4.10) em (6-4.8) permite obter finalmente

Y(f )= $\displaystyle {{\beta_f}\over {K_v}}$HL(f )X(f ), (6-4.11)

onde HL(f ) mathend000# é a função de transferência em malha fechada

HL(f )= $\displaystyle {{H(f)}\over {H(f)+jf/K_aK_v}}$. (6-4.12)

Se o filtro passa baixo H(f ) mathend000# tiver um ganho ideal unitário para na banda útil de m(t) mathend000#, |f|< W mathend000# então teremos que nessa mesma banda o ganho em malha fechada

HL(f )= $\displaystyle {1\over {1+jf/K_aK_v}}$, (6-4.13)

é um filtro passa-baixo com uma resposta de -3 dB para uma frequência de corte K = KaKv mathend000#, portanto se K$ \ge$W mathend000# teremos que HL(f ) mathend000# se comporta com um ganho aproximadamente unitário na banda útil do sinal m(t) mathend000# e

y(t) $\displaystyle \approx$ $\displaystyle {{\beta_f}\over {K_v}}$m(t), (6-4.14)

ou seja o sinal y(t) mathend000# é proporcional ao sinal modulador m(t) mathend000#, o que significa que o PLL pode ser utilizado como um detector FM desde que a banda do filtro passa baixo seja superior a W mathend000# e que também o ganho KaKv$ \ge$W mathend000#.

Resumo do capítulo 1:

São abordados os vários tipos de receptores analógicos para modulação de amplitude e fase baseados na extração de envelope complexo através um circuito clássico de batimento com um oscilador local à mesma frequência da portadora. A estrutura clássica do andar receptor é detalhada e realçada a sua dificuldade relativamente à detecção coerente.

Outra secção deste capítulo é dedicada ao problema da sincronização e detalhado o funcionamento do Phase Locked Loop (PLL) como seguidor de fase e depois como detector em modulação de frequência


Sergio Jesus 2008-12-30